LUIZ GAMA, "DOUTOR HONORIS CAUSA" - UM GUERREIRO DA CAUSA ABOLICIONISTA

 


 Luiz Gama, recebe título de "Doutor Honoris Causa",  que buscou em vida de luta pela causa abolicionista.


LUIZ GAMA – JORNALISTA E POETA, UM GUERREIRO LIBERTADOR.

 

TRAJETÒRIA

Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu em 1830, em Salvador – Bahia. (21/07/1830) e pode ser definido como um líder abolicionista dos mais importantes da história do Brasil, embora não tenha sido reconhecido pela história oficial.

         Filho de uma negra livre africana, Luíza Mahin, vinda Costa Mina, que foi uma das mulheres que lideraram a maior rebelião de escravos da Bahia, a “Revolta dos Malês”, em 1835. Participou também da “Sabinada”, levante que tentou proclamar a República Bahiense.

O pai de Luiz Gama era um fidalgo de origem portuguesa, com quem a mãe o deixou por precisar fugir para o Rio de Janeiro, após as rebeliões. Aos dez anos, foi vendido pelo próprio pai a um negociante no Rio de Janeiro, para pagar uma dívida de jogo, tendo sido levado posteriormente para São Paulo. Aprendeu a ler aos 17 anos, com um hóspede da casa, que teria vindo estudar Direito em São Paulo, de quem se tornou amigo. Lia muito, era um autodidata. Fugiu aos 18 anos da casa do “senhor”, provando depois ter sido vendido de forma ilegal, já que era filho de mãe e pai livres.

Tentou se formar como advogado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco (hoje USP), de onde foi rechaçado pelos professores e alunos, por ser negro, assistindo aulas como ouvinte, não se formando oficialmente. Mas colocou todo o conhecimento adquirido para libertar escravizados, na condição de rábula (designação dada a advogado que cursou Direito, mas que não obteve o diploma).

         Trabalhou na Guarda Municipal, depois como copista de documentos oficiais. Tornou-se amigo do dono do Cartório. Trabalhou em seguida para um Conselheiro que lhe deu acesso a vários livros. Lia intensamente. Casou-se em 1850, com Claudina Fortunato Sampaio, mulher negra. O casal teve um filho.

         Nos anos de 1860, Luiz Gama, advogado autodidata, cuidava de casos de escravizações ilegais, de abolições individuais e coletivas do Estado de São Paulo. Consta que libertou mais de 500 escravos, a maior parte de graça.

         Faleceu em São Paulo, em 24 de agosto de 1882, aos 52 anos, acometidos de Diabetes. Seis anos antes da “Oficial” Abolição da Escravatura. Trabalhou doente até o final de sua vida. Saía carregado em uma maca, para atender.

Morreu pobre, mas com muitos amigos e uma legião de admiradores. Seu enterro levou uma multidão às ruas de São Paulo, tendo sido carregado do Brás até o Cemitério da Consolação.

 

 

LUIZ GAMA E SUA EXPRESSÃO LITERÁRIA

         Uma das formas de expressar sua indignação com a escravização de negros, além de ações concretas como rábula, foi como jornalista e poeta.

Entrou no mundo do jornalismo como tipógrafo, logo passando a escrever textos, ocupando-se da escrita a maior parte do tempo, publicando textos irônicos, ferinos, provocativos para vários jornais de oposição à Monarquia como o próprio “O Ipiranga” e “Radical Paulistano”(neste foi Redator), onde colaboravam Castro Alves, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. Era Republicano e antiescravagista aguerrido. Escreveu ainda para alguns outros jornais usando pseudônimos.

Foi também redator do primeiro periódico político satírico da cidade de São Paulo, “O Polichinelo”.

Realizava ainda Conferências, com uma fala aguerrida à partir de seus artigos polêmicos, onde detalhava ideais abolicionistas, tendo por várias vezes sido ameaçado de morte. Foi um crítico de descendentes afro-brasileiros que tentavam negar sua origem. Já naquela época, combatia, de forma exaltada, as ideias de branqueamento

Como poeta, publicou em 1859, o livro “Primeiras Trovas Burlescas de Getulino” (pseudônimo Getulino). Nele, destacam-se alguns versos que mostram sua forma às vezes irônica, ácida, dura de escrever, às vezes deformando (caricaturando) pessoas e coisas, sendo esta sua maneira ímpar e natural (não se pode dizer que estivesse ligado à determinada escola poética) de mostrar sua ira e indignação contra a sociedade e seu preconceito racial. São poemas longos dos quais podemos destacar alguns trechos.

Quem sou Eu

 

Amo o pobre, deixo o rico,

Vivo como o Tico-tico;

Não me envolvo em torvelinho,

Vivo só no meu cantinho:

Da grandeza sempre longe,

Como vive o pobre monge.

Tenho mui poucos amigos,

Porém bons, que são antigos,

Fujo sempre à hipocrisia,

À sandice, à fidalguia;

Das manadas de Barões?

Anjo Bento, antes trovões.

Faço versos, não sou vate,

Digo muito disparate,

Mas só rendo obediência

À virtude, à inteligência:

Eis aqui o Getulino

Que no pletro anda mofino.

Sei que é louco e que é pateta

Quem se mete a ser poeta;

Que no século das luzes,

Os birbantes mais lapuzes,

Compram negros e comendas,

Têm brasões, não — das Kalendas,

E, com tretas e com furtos

Vão subindo a passos curtos;...

 

...Diz a todos, que é DOUTOR!

Não tolero o magistrado,

Que do brio descuidado,

Vende a lei, trai a justiça

— Faz a todos injustiça —

Com rigor deprime o pobre

Presta abrigo ao rico, ao nobre,

E só acha horrendo crime

No mendigo, que deprime...

 

...Fujo ao cego lisonjeiro,

Que, qual ramo de salgueiro,

Maleável, sem firmeza,

Vive à lei da natureza;

Que, conforme sopra o vento,

Dá mil voltas num momento.

O que sou, e como penso,

Aqui vai com todo o senso,

Posto que já veja irados

Muitos lorpas enfunados,

Vomitando maldições,

Contra as minhas reflexões....

 

O poema Quem sou Eu ficou também conhecido popularmente como “Bodarrada”, referência a “bode”, gíria da época que designava mulato, negro.

...Se negro sou, ou sou bode

Pouco importa. O que isto pode?

Bodes há de toda a casta,

Pois que a espécie é muito vasta.

Há cinzentos, há rajados,

Baios, pampas e malhados,

Bodes negros, bodes brancos,

E, sejamos todos francos,

Uns plebeus, e outros nobres,

Bodes ricos, bodes pobres,

Bodes sábios, importantes,

E também alguns tratantes...

Aqui, nesta boa terra

Marram todos, tudo berra;

Nobres Condes e Duquesas,

Ricas Damas e Marquesas,

Deputados, senadores,

Gentis-homens, veadores;

Belas Damas emproadas,

De nobreza empantufadas;

Repimpados principotes,

Orgulhosos fidalgotes,

Frades, Bispos, Cardeais,

Fanfarrões imperiais,

Gentes pobres, nobres gentes

Em todos há meus parentes...

 

...Nos lundus e nas modinhas

São cantadas as bodinhas:

Pois se todos têm rabicho,

Para que tanto capricho?

Haja paz, haja alegria,

Folgue e brinque a bodaria;

Cesse pois a matinada,

Porque tudo é bodarrada!

 

 

         Luiz Gama foi autor de poemas dedicados à mulher negra, o que não foi comum na literatura brasileira.

 

A Cativa”

 

...Como era linda, meu Deus !                        

Não tinha da neve a cor,                                

Mas no moreno semblante

Brilhavam raios de amor.

Ledo o rosto, o mais formoso,

De trigueira coralina,

De Anjo a boca, os lábios breves

Cor de pálida cravina.

Em carmim rubro engastados

Tinha os dentes cristalinos ;

Doce a voz, qual nunca ouviram

Dúlios bardos matutinos.

Seus ingênuos pensamentos

São de amor juras constantes ;

Entre as nuvens das pestanas

Tinha dois astros brilhantes.

As madeixas crespas negras

Sobre o seio lhe pendiam,

Onde os castos pomos de ouro

Amorosos se escondiam...

Tinha o colo acetinado

— Era o corpo uma pintura —

E no peito palpitante

Um sacrário de ternura.

Límpida alma — flor singela

Pelas brisas embalada,

Ao dormir d’alvas estrelas,

Ao nascer da madrugada.

Quis beijar-lhe as mãos divinas,

Afastou-m’as — não consente ;

A seus pés de rojo pus-me,

— Tanto pode o amor ardente !

Não te afastes lhe suplico,

És do meu peito rainha ;

Não te afastes, n’este peito

Tens um trono, mulatinha !…

Vi-lhe as pálpebras tremerem,

Como treme a flor louçã,

Embalando as níveas gotas

Dos orvalhos da manhã.

Qual na rama enlanguescida[,]

Pudibunda[,] sensitiva,

Suspirando ela murmura :

Ai, senhor, eu sou cativa !…

Deu-me as costas, foi-se embora[,]

Qual da tarde ao arrebol[,]

Foge a sombra de uma nuvem[,]

Ao cair a luz do sol.

 

         Para saber mais sobre o jornalista, poeta e guerreiro libertador Luiz Gama, consultar:

http://www.letras.ufmg.br/literafro/11-textos-dos-autores/647-luiz-gama-quem-sou-eu

http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/655-luiz-gama

http://www.letras.ufmg.br/literafro/28-critica-de-autores-masculinos/654-a-poesia-satirica-de-luiz-gama-roberto-de-oliveira-brandao

https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/literatura/a-poesia-libertaria-luiz-gama.htm

https://www.expressaopopular.com.br/loja/produto/luiz-gama-o-libertador-de-escravos-e-sua-mae-libertaria-luiza-mahin/

 


 Ana Lucia dos Santos, assistente social, professora e escritora.


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