Final de ano, encontro de amigos, cenário comum.
Retrato em uma crônica, o encontro que tive com antigas amigas. Talvez se reconheçam. Vamos ver.
Retrato em uma crônica, o encontro que tive com antigas amigas. Talvez se reconheçam. Vamos ver.
O ENCONTRO
Ana Lucia dos Santos
Chego e todas
já estão. Qual a novidade? Nenhuma. Estou sempre atrasada. Faltam algumas
pessoas, mas temos sete, todas mulheres. Conversa a meio caminho. Lá estão
elas. Das amigas mais antigas a mais recente. Nem tão recente. Entre quarenta e
dez anos de espaço de tempo. Gente antiga! Todas muito bonitas. Talentosas,
competentes, visão parcial, somos todas demais! Eu com meus olhos generosos.
Uma de quem
fui estagiária na década de 80. Hoje percebi que está pessimista; uma com quem
nunca trabalhei, da mesma área, o judiciário. Mas é comum às outras, semblante
mais sério, introspectiva; Duas mulheres loiras que esbanjam alto astral,
contagiantes na alegria. Uma do Judiciário, outra da saúde mental; Uma mulher
que é a mais jovem que todas. Tem um afã militante, fala aguerrida, com
projetos de estudo, doutorado. Veio de pé engessado, mas veio; outra,
aparentemente a mais antiga de nós, mais enquadrada nas idéias, parece uma
mãezona a lançar recomendações; e a que chegou atrasada, com sacola de trabalho
de alunos a tiracolo, parecendo sempre assoberbada, prometendo parar com isso.
O que está
rolando? Assuntos apressados e entrecortados. Tirar a foto do encontro,
sorrisos se fazem e refazem. A palavra senha para ativar a máquina demora.
Ficou ruim, “estourou a foto, tira outra”.
Ufa! Sorrisos bons. Pronto.
- “Perdi
muitos amigos neste processo das eleições. E o grupo de família? Tem primos que
não consigo nem olhar. Fui chamada de petralha”.
- “O meu grupo
de família acabou. Muito desrespeito. Ninguém entende a fala do outro. Minha
filha é ativista, não teve solidariedade”.
- “O velho amigo
do antigo trabalho o Quinzinho, continuo encontrando com ele. De vez em quanto.
É muito reservado, está com problemas”. – “Eu que o achei”, fala a que tem
amigos no grupo há mais de quarenta anos. “Vou mandar um recado para ele, pra
cuidar bem e você”. “- Para com isso”, falei.
- E a saúde, A.
o que você tem? Dou de ombros num muxoxo: “Não sei, não estou pensando mais,
esperando, fazendo dieta séria. Fiz exames”. Não fiz dramas e a conversa segue.
Tantas pessoas na mesa. São quase conversas paralelas, que se escutam.
- João de Deus
é culpado? Pergunto. Consenso: ele é culpado. Gente na mesa já havia se tratado
com ele em Abadiânia. “Comigo não aconteceu nada, foi ótimo, energia muito
positiva, oração. – - “Pode falar aqui conosco, confessa”. Risadas. – Não, ele
foi ótimo”, seguindo com alguns detalhes. “Foram mais de 300 mulheres que sofreram
violência sexual”. Conjecturas. Espírito do bem ou espírito do mal? Vai abalar
a fé no espiritismo? Dúvidas. Sim e não.
- “Não sei o
que vou fazer no natal, tem gente na família com quem não falo, não quero mais
falar, como reunir?”. – “-Espera o tempo passar, melhor não falar nada agora,
também estou assim”.
-“Divórcio é a
pior coisa que existe. Nunca é bom. Melhor pensar em outra solução, dar um
jeito, mas evita de qualquer forma”.
- “Cada
história é uma história, tem sempre detalhes de cada uma que acabam numa
solução diferente. Não há modelos”. E eu concordando. Claro, falando do lugar
de quem nunca foi casada.
- “Não. Cada
história é a mesma história. Há uma base comum a todas que define. Não acredito
no divórcio como uma solução”. O tom pareceu de ceticismo.
- “Não concordo.
Cada historia é uma história”.
- “Eu aposto
numa relação de compartilhar casa e despesas, como amigos, quando não mais um
relacionamento amoroso” O tom pareceu amargurado – “É pode ser”.
- “Comigo não
tem esse problema. Esse desgaste. Ele sempre reinventa coisas novas, não deixa
cair na rotina, trabalha menos”. Fala de forma otimista e amorosa, uma das
amigas loiras (ou quase) de alto astral.
- “Com perna
engessada, tenho casa e filhos pra cuidar ainda. E marido. Estou querendo ir
pra Portugal fazer Doutorado”. – “Consegue?”– “Consigo, já falei pra ele, o
marido”. –“Também quero ir para Portugal, morar lá”, disse. – “Vamos, eu vou e
você vem depois”
-E a conversa
segue.
- “Estou
falando com ele no Zap, mandando fotos para o T. ele lembra de duas da época
(década de 80, o afeto resgatado?, sob a vigilância da amiga mais velha).
Mandando a sua foto comigo.
- E o livro A.
Expliquei o lançamento da Antologia e a forma de apoiar o financiamento coletivo.
“Mas o dinheiro não vai pra você?”.- “Não, pra Editora”. –“Hum.” Contei do
grupo literário de São Paulo, do próximo livro de contos, minhas paixões
atuais.
Uma das amigas
cismou que eu estou apaixonada. “Cara muito boa, jeito sapeca de quem está
aprontando”. Lembrando tempos de paixões passadas. E eu quase inventando uma
paixão inacessível. Elas querem que eu me apaixone e seja mais feliz. Um bom
desejo.
- “Ele
respondeu, lembra da luta pelo gatilho salarial, da companheira de luta. Fala
aqui com ele”. – Não. Não precisa.
“Manda um abraço para o Quinzinho.”. – Mando, mas eu o chamo agora de
Joaquim, dá um ar mais maduro”. A
mãezona tratou de mandar um recado: -“Cuida bem da minha menina”. Deus, ela
mandou mesmo.
- “Vou para a
Rússia ano que vem com nossa amiga, a Yvonne”, falou com ar de alegria a de
quem fui estagiária. Ufá, ao menos mostrou mais otimismo, embora eu tenha
ficado com uma ponta de ciúmes. Amigas antigas tem dessas coisas. Ou, eu tenho.
- “Veja os
meus netos, a mais velha tem o temperamento mais forte. E o mais novo tem olhos
azuis e é loiro. Olhos azuis”. “Estão na Austrália.”. Celular aberto,
conferimos. As crianças são lindas. A mais velha fala inglês e português. O
mais novo só fala inglês.
- “Minha filha
está na Austrália, acabou curso de Direito, fazendo intercâmbio para aprender
inglês. Volta em Março”. Aproveito o mostro um pequeno vídeo da minha filha, que
esteve no Canadá há quatro anos. Já esta com 25 anos. “- “Muito bonita”.
Celular passa para mais duas. Essas mulheres maduras são muito modernas. No
passado, estariam tirando fotografias das bolsas e mostrando. Agora mostram
Storys de Instagram e arquivos do celular.
Reclamo de
estar levantando a mão há algum tempo e o garçom não me atende. Alego que é
porque sou “mulher, pobre e preta”. – “E você vai deixar isso, fala a mais
velha.”? Risadas. O garçom logo vem, não confirmo a queixa. Pedi algo pequeno,
conversa demais, comi o que estava acabando dos pedidos anteriores. O tempo
passou e a fome veio.
Alguém se
lembra do horário, algumas já tem que sair. Aparecem discretamente passando nos
colos, uma vasilha com rabanadas que pareciam deliciosas. A articuladora do
encontro, uma das loiras alto astral, trouxe. Elas têm chocolate e muito
açúcar. Nem quis saber da receita, receio de tocar naquela delícia e não parar
mais. Já as conhecia do ano passado. –“Não quero, não posso”. – “Para com isso,
tem que comer, é maravilhosa”. Penso, ela esqueceu que tomo insulina.
Relembrei. – “Você toma insulina?” Um dos sinais da nossa faixa etária, a
memória, pensei. Talvez só o desejo de que eu seja feliz. Prefiro a segunda
hipótese. Ainda assim, comi cerca de uma 1/3 da rabanada, com minha vida
regrada e com alguma culpa.
Comendo
rapidamente o que pedi, meu queijo qualho, indo logo para o caixa. Todas com promessas
de novos encontros antes de um ano (já havíamos prometido o mesmo ano passado e
no anterior). Pagando, uma proposta do próximo encontro, ser numa pequena
viagem de navio, alguns dias. Litoral, até Fortaleza. Amei a idéia, sonho
viajar de navio, nunca fui. Falas
entrecortadas. Proposta de que eu cante naquele Bar, cantava bem, “precisa
voltar”. -“Precisa acompanhamento”, falei. -“Vou postar aquele vídeo em que eu
cantava”, tentando contemplar o pedido. “Pode postar, mas canta aqui. Vamos
falar com Julinho Bittencourt, que faz a programação”. – “OK. Vamos sim”. Não
contrariei. Meu Deus, já estava concordando com tudo, exultante pelo encontro,
pelo alimento das presenças afetuosas e queridas.
Embora não
tivesse bebido, estava meio inebriada no final da noite, embalada pelo ritmo
das outras mulheres empoderadas e com histórias para contar. Muitas em comum. Ricos
detalhes a relembrar, que nem chegaram perto de se esgotar. Fiquei com esta
sensação. Mesmo que falássemos em alguns momentos, de forma paralela, tenho a
impressão de que apreendemos um pouco de como está cada uma de nós. Pelo menos até o próximo agradável encontro.
Confiram,
“meninas”.
"Embora não tivesse bebido, estava meio inebriada no final da noite,"
ResponderExcluirQue delícia, a sensação de felicidade e êxtase, só pela presença de pessoas queridas.
Sou testemunha ocular desse encontro...uma mesa, um bar, amigas unidas e sorrisos largos.
ResponderExcluirUma observadora atenta
ResponderExcluirVocê é uma observadora atenta. É um bom começo para a escrita de crônicas.
Excluir