CRÔNICA DE CHEGADA
E ASSIM TUDO COMEÇOU
Foi um dia conturbado. Apesar de ser aquela a sétima vez que aguardava a chegada de uma criança, haviam as preocupações cotidianas relativas aos outros filhos, crescendo numa escadinha que ficava cada vez mais alta. Então, a preocupação também daquela mulher, era com os filhos ainda pequenos que teriam que, de alguma forma, também se autocuidar. Porque a criança que vinha da barriga, talvez chegasse no dia seguinte, ou a qualquer hora. Não dava muitos sinais de ter pressa. Movia-se lentamente, como que se preparando para acordar, espreguiçando.
A noite virou e o novo ser vivente a achegar neste mundo, da barriga da mãe, amanheceu quieto, como se tivesse medo de precipitar alguma coisa, dar um susto na mãe, talvez. O dia foi passando e no meio da tarde, a criança deu fortes sinais de que desejava sair, ou, entrar pelo mundo afora. A parteira, já de sobreaviso, foi alertada e correu até a casa de Maria pequena. Chegou com todos os apetrechos em sua pequena maleta, pronta para a ação.
Já fizera isto antes com as crianças anteriores daquela família. Todas nascidas em casa, sob a assistência e cuidados da Dona Romana, parteira famosa do bairro. Aparou e colocou no mundo sete crianças de Maria, naquela família A primeira não vingou, mas essa é outra história que talvez nem fosse contada no futuro, já que nada se falava sobre o caso. Então aquela que nasceu no fim de tarde, foi a sétima criança e pronto. Assim se resolviam lamentações e melancolias num certo tempo do passado. Apenas não se falava.
A criança que pouco sinalizava, afinal chegou, rápida e decidida, as 17:30hs fim de tarde do início de outono. Chorava baixo, mas firme. Tinha jeito de quem se arranjaria. Ou seria tímida? Chorou o suficiente só para dizer que havia chegado. Uma menina de olhos grandes, parecia alerta. Olhava, chorava um pouco e parava. O restante das crianças da família, ficaram acomodadas na sala. Os filhos mais velhos, com 11 e 09 anos, tratavam de manter os menores sob suas ordenas. O pai chegou mais cedo do trabalho, tomava providências com a alimentação, coisas necessárias de adultos. Foi assim, naquele clima de silêncio e cooperação que cheguei a este mundo, há mais de sessenta anos.
No presente, só tenho a agradecer à paciência e dedicação de minha mãe, uma das formas de expressão de amor de Maria pequena. Uma ponta de agradecimento a cooperação dos irmãos e irmãs mais velhos, ainda que pouco depois, na meninice de irmãos, a maior parte meninos, não tenham sido tão colaborativos. Mais uma ponta de gratidão aos cuidados da casa e dos outros filhos assumidos pelo meu pai, mas somente enquanto dona Maria convalescia e vivia os primeiros dias do resguardo. Ele reassumiu pouco depois, sem peso ou culpa, seu “lugar patriarcal”.
A menina que nasceu naquela tarde, Ana, nome dado em homenagem a bisavó materna e a Santa Ana, cresceu, teve apenas uma filha, repetindo o modelo da avó materna, Aniceta, mãe solo de luta. Esta que redige o texto, curva-se em gratidão às suas antepassadas de luta. Obrigada, mulheres corajosas, sempre guerreiras!!
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