Altos Voos em Cadernos Literários - Revista Voo Livre

 



Olá, amigos da escrita literária!!

Durante alguns meses do ano passado, assinei uma coluna na Revista Voo Livre. E em dezembro, fui convidada a participar dos Cadernos Literários da Revista, Editada pela escritora Marina Marino (@Marina_revistavoolivre). Conheça em “Altos Voos” da Revista Voo Livre, dois poemas e uma crônica!


TERGIVERSO


Faço prosa, faço verso, faço arte.

Converso com a vida, para espantar solidão.

Ainda que as palavras não existam.

Invenção.


Vou fundo, poetizo, versejo, tudo faz parte.

Borboleteio em tempos pesados.

Disfarço, depois da tormenta.

De dentro só vem o que alimenta.


Invento amores adequados.

Já foram perdidos, descaminhos da vida.

Depois, a ira santa, a raiva louca.

Os argumentos revolucionários.

A força que me faz potente,

Só de momento.

Não passo de uma visionária.

Escape.

Escondida entre as palavras.

Invento amores, senão verdadeiros,

Virão a ser.


Outra vez visionária.

A sanidade insana, que seja.

Sustenta-me.

Sobreviver.



TUDO PASSOU / TUDO FICOU


Pedro é menino pobre, quase triste.

Quase, porque sempre acha uma alegria

No meio do lixo faz brinquedos.

Pedro é menino preto, não vai mais na escola.

Nem o amigo, nem o vizinho.

Pedro não viu mais o amigo.

Brinca sozinho.

Com terra, lata vazia.


Pedro não vai mais na escola,

Perdeu o gosto,

Junto com o vizinho.

Pedro não viu mais o amigo.

Teve saudades da professora.

Ela mandou bilhete

Quando as aulas voltaram.


Queria ir, não tanto para estudar.

Que não entendia mais

As lições da professora,

Queria ir, para se alimentar.


Pedro não voltou mais para a escola.

Achou amigos novos, maiores, espertos.

Não gostava mais dos meninos

Que voltaram para a escola,

Depois que tudo passou.


Pedro agora conseguiu ficar esperto,

Sem ir a escola.

Pensa, saiu ganhando.



Tinha outra escola,

A dos amigos grandes.


As crianças estavam indo para a estudar

Quase foi, queria se alimentar.

Tudo quase passou.

Mas o vírus não passou.

E Pedro ficou.



NÓS MULHERES: ENTRE O SONHO E A VIDA REAL

Na minha infância, otimista, como geralmente são as crianças, sonhava com um futuro feliz. Apaixonar-me-ia por um lindo namorado, com quem me casaria, teria filhos e seria muito amada. É claro, não sonhava sozinha. Mas acompanhada por muitas outras meninas. Repetia, há algumas décadas, os caminhos traçados pelas nossas famílias.

Também na infância, algumas vezes cheguei a ouvir, “à boca pequena”, sussurradas por adultos, histórias sobre brigas de casais, homens ciumentos que até chegavam a agredir suas esposas. Os adultos murmuravam, porque o assunto era proibido, ninguém podia interferir em briga de marido e mulher. Eu, na minha criancice sonhadora, entristecia. Portadora de pensamento mágico, acreditava que era só os adultos conversarem e tudo ficaria bem.

Hoje, bem longe daqueles tempos da infância, estou rodeada pelos noticiários dando conta do número cada vez maior de mulheres que são agredidas e até mortas por homens, atuais ou ex-companheiros ou namorados. Não são mais falas sussurradas, como nos meus tempos da infância. Agora são ouvidos em alto e bom som os gritos de dor de mulheres, de meninas. O tempo passou rápido, num piscar de olhos e aquele sonho do passado se tornou pesadelo, do qual é difícil acordar.

É importante não esquecer que, aos sonhos antigos das meninas, correspondia o imaginário dos meninos, que também receberam um modelo de família. Provavelmente seriam homens e maridos respeitáveis, responsáveis, provedores do lar.

E como já dizia o músico e poeta Raul Seixas, “Sonho que se sonha só / é só um sonho que se sonha só / Mas sonho que se sonha junto é realidade”.

É como se aquele sonho de criança, aquele modelo de família, fosse uma árvore semeada, regada dia após dia, cuidada com carinho. Dela recolhíamos folhas que caiam e jogávamos no lixo. Podamos para que pudesse crescer forte. E aconteceu. As árvores cresceram e se se multiplicaram. Estão bem enraizadas não só em nossas mentes, mas em nossos corações.

Hoje, já mulher adulta, com certa maturidade generosamente ofertada pelo tempo, entendi que todas e todos nós, em alguma medida, somos cúmplices. Ajudamos a regar e fazer vingar aquelas árvores, transformadas em verdadeiras ervas daninhas, mantidas de pé por muitas mãos. E posso citar algumas delas: a crença na superioridade do homem sobre a mulher, reproduzindo por famílias “de bem” ou não, ou seja, a desigualdade de gênero; o patriarcado, com homens chefes de família, proprietários de bens, proprietários dos desejos e dos corpos das mulheres, das crianças, dos “subordinados”; a presença predominante de homens em lugares de poder no Estado e outras instituições da nossa sociedade, regra geral com ideias conservadoras e machistas, funcionando como verdadeiras barreiras ao reconhecimento de direitos e de igualdade entre gêneros. E mais uma mão poderosa, que são as ideologias de ódio, disseminadas nos últimos anos, onde a violência e o extermínio do outro é a solução encontrada para divergências de opiniões.

A nós mulheres, que temos o poder transformador, que sustentamos o cuidado com a vida, será preciso coragem e força para refazer o plantio de árvores mais saudáveis, com troncos e caules repletos de seiva boa e não de sangue de mulheres vítimas de violência. Árvores com copas e folhas que têm sombra acolhedora e gentil, como o baobá. Que escutem e recebam com afeto, corpos e mentes frágeis e feridas.

Então vamos lá, o protagonismo precisa ser nosso, mas a tarefa é de todos e todas, homens e mulheres. Vamos plantar outras árvores, repletas de bons frutos, como o respeito, o cuidado, amor, humanidade, solidariedade. Vamos transformar antigos, em novos sonhos. Porque, voltando ao músico e poeta, “Sonho que se sonha só / é só um sonho que se sonha só / Mas sonho que se sonha junto é realidade”.



PAna Lucia Santos, assistente social, professora e escritora!





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