Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior - "A violência e a herança da escravização"
TORTO ARADO ––ITAMAR VIEIRA JUNIOR - Comentários
Nesta
Obra, Itamar Vieira Júnior vai aos poucos oferecendo sentido, moldando a
compreensão das vivências de famílias descendentes de escravizados sobrevivendo
por décadas, por gerações no campo, num cotidiano de opressão, constante
reafirmação do lugar de subordinação, apagamento de suas identidades, mediada
pelo trabalho, numa continuidade pós “Abolição” marcada pela exploração, pelo
trabalho não pago, pela terra não possuída.
Em
“Torto Arado” a história está centrada na relação entre duas irmãs, tragadas
por uma tragédia na infância, que as mantem numa relação quase simbiótica,
complementar. A voz narrativa é dessas irmãs, das suas relações com pais,
filhos, parentes, outras famílias do mesmo local. De suas relações com a
sobrevivência cotidiana, com os afetos, com o trabalho forçado. Relações
sobretudo com as energias que emanam da mata e de outros elementos da natureza,
como a água, o ar, as riquezas que terra produz, entidades, os “encantados”, a própria
ancestralidade.
Uma
ancestralidade fortalecedora, que sustenta suas existências, a luta pela terra,
pela justiça, pela posse dos frutos do trabalho, pela organização dos
trabalhadores, pela visibilidade de comunidades quilombolas.
A ancestralidade fortalecedora que
sustenta o corpo na fome, que bate de frente com a dor, com as perdas, com o
sofrimento, com as tentativas de apagamento da identidade e cultura de um povo.
“Torto Arado” não só informa sobre um
passado, que é herança e mais do que nunca, ainda existe em várias partes do
país, mas explica o presente de um Brasil que mantém um forte racismo contra
negros e seus descendentes, perpassando por toda a estrutura da sociedade.
Ler “Torto Arado” é se aproximar mais de
um Brasil real, que hoje muitos, infelizmente, se recusam a ver.
Ana
Lucia dos Santos
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