CRUZ E SOUZA - UM POETA SIMBOLISTA

 

 CRUZ E SOUZA

        O escritor Cruz e Souza é considerado a grande referência do Simbolismo do Brasil, movimento literário do século XIX que defende a presença da emoção e da subjetividade humana na arte. Duas de suas obras “MISSAL” e “BROQUÉIS”, são as obras de maior destaque.

 

        TRAJETÓRIA

        João da Cruz nasceu em 24 de novembro de 1861, em Florianópolis, Santa Catarina. Filho de pais negros escravos alforriados. Seus ex-senhores ocuparam-se de sua educação, que foi refinada, tendo aprendido línguas como francês, latim e grego, além de disciplinas como Matemática e História Natural. Adotou posteriormente o sobrenome “Souza” dos seus ex-senhores.

        Consta em sua biografia ter sido Diretor do Jornal “O Moleque”, colaborador de revistas e jornais, tendo se engajado como ativista na luta abolicionista. Além de envolvido nas questões literárias da época. Dirigiu também o Jornal  “A Tribuna Popular”.

        Engajou-se na causa abolicionista depois de viajar pelo Brasil, fundando já aos 20 anos o jornal Colombo, junto com dois outros escritores: Santos Losada e Virgílio Várzea.

        Teve uma vida de luta pela sobrevivência, uma vez que não conseguia ganhar o suficiente. Sofreu grande discriminação racial, em Santa Catarina, chegando a ser recusado como Promotor, na cidade de Laguna, por ser negro. Tinha ainda uma saúde frágil, assim como sua esposa, Gavita Gonçalves, em 1893, com quem teve quatro filhos. Todos morreram prematuramente de Tuberculose, o que comprometeu totalmente a saúde mental da mesma.

        O próprio Cruz e Souza teve uma vida curta, sendo acometido de tuberculose, tendo buscado tratamento em Minas Gerais, onde faleceu aos 37 anos.

        O texto baixo define bem o contexto em que viveu:

...”Cruz e Souza foi um dos precursores da literatura afro-brasileira e figura proeminente de seu tempo. Nascido e crescido num meio extremamente hostil ao negro, em província do sul do país para onde se dirigiram levas de imigrantes europeus brancos, Cruz e Sousa deparou-se, ao longo de sua curta vida, com inúmeras barreiras, sendo emparedado de diversas maneiras. Em plena vigência das políticas de branqueamento no país, o poeta afrodescendente foi vítima de vários episódios racistas.” Literafro 

 

        A OBRA DE CRUZ E SOUZA

        Cruz e Souza escrevia poemas já aos 08 anos, demonstrava grande talento com as palavras. Conseguiu acesso à escolarização devido ao apadrinhamento dos ex-senhores.

O escritor lançou seu primeiro livro em 1885, “Tropos e Fantasias, em parceria com Virgílio Várzea. A obra em prosa continha textos contrários à escravização.

        Publicou em fevereiro de 1893 “Missal”, uma prosa poética baudelairiana. Em agosto do mesmo ano publicou “Broquéis” (poesia). Essas duas obras deram inicio ao simbolismo que se estendeu no Brasil até 1922.

        Teve sua obra completa publicada somente em 1923. Foi publicado ainda pela Editora Pallas em 2008.

TRÊS POEMAS DE CRUZ E SOUZA

LIVRE


“Livre! Ser livre da matéria escrava,
arrancar os grilhões que nos flagelam
e livre penetrar nos Dons que selam
a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.

Livre da humana, da terrestre bava
dos corações daninhos que regelam,
quando os nossos sentidos se rebelam
contra a Infâmia bifronte que deprava.

Livre! bem livre para andar mais puro,
mais junto à Natureza e mais seguro
do seu Amor, de todas as justiças.

Livre! para sentir a Natureza,
para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças

 

DA SENZALA

"De dentro da senzala escura e lamacenta

 Aonde o infeliz

De lágrimas em fel, De ódio se alimenta

Tornando meretriz

 

A alma que ele tinha, ovante, imaculada

Alegre e sem rancor,

Porém que foi aos poucos sendo transformada

Aos vivos do estertor...

 

De dentro da senzala

Aonde o crime é rei, e a dor - crânios abala

Em ímpeto ferino;

 

Não pode sair, não,

Um homem de trabalho, um senso, uma razão...

e sim um assassino!" ... –

("O Livro Derradeiro", publicação póstuma)

 

CRIANÇAS NEGRAS

Em cada verso um coração pulsando,
Sóis flamejando em cada verso, e a rima
Cheia de pássaros azuis cantando
Desenrolada como um céu por cima.

Trompas sonoras de tritões marinhos
Das ondas glaucas na amplidão sopradas
E a rumorosa musica dos ninhos
Nos damascos reais das alvoradas.

Fulvos leões do altivo pensamento
Galgando da era a soberana rocha,
No espaço o outro leão do sol sangrento
Que como um cardo em fogo desabrocha.

A canção de cristal dos grandes rios
Sonorizando os florestais profundos,
A terra com seus cânticos sombrios,
O firmamento gerador de mundos.

Tudo, como panóplia sempre cheia
Das espadas dos aços rutilantes,
Eu quisera trazer preso à cadeia
De serenas estrofes triunfantes.

Preso à cadeia das estrofes que amam,
Que choram lágrimas de amor por tudo,
Que, como estrelas, vagas se derramam
Num sentimento doloroso e mudo.

Preso à cadeia das estrofes-quentes
Como uma forja em labareda acesa,
Para cantar as épicas, frementes
Tragédias colossais da Natureza.

Para cantar a angústia das crianças!
Não das crianças de cor de oiro e rosa,
Mas dessas que o vergel das esperanças
Viram secar, na idade luminosa.

Das crianças que vêm da negra noite,
Dum leite de venenos e de treva,
Dentre os dantescos círculos do açoite,
Filhas malditas da desgraça de Eva.

E que ouvem pelos séculos afora
O carrilhão da morte que regela,
A ironia das aves rindo a aurora
E a boca aberta em uivos da procela.

Das crianças vergônteas dos escravos
Desamparadas, sobre o caos, à toa
E a cujo pranto, de mil peitos bravos,
A harpa das emoções palpita e soa.

Ó bronze feito carne e nervos, dentro
Do peito, como em jaulas soberanas,
Ó coração! és o supremo centro
Das avalanches das paixões humanas.

Como um clarim a gargalhada vibras,
Vibras também eternamente o pranto
E dentre o riso e o pranto te equilibras
De forma tal que a tudo dás encanto.

És tu que à piedade vens descendo.
Como quem desce do alto das estrelas
E a púrpura do amor vais estendendo
Sobre as crianças, para protegê-las.

És tu que cresces como o oceano, e cresces
Até encher a curva dos espaços
E que lá, coração, lá resplandeces
E todo te abres em maternos braços.

Te abres em largos braços protetores,
Em braços de carinho que as amparam,
A elas, crianças, tenebrosas flores,
Tórridas urzes que petrificaram.

As pequeninas, tristes criaturas
Ei-las, caminham por desertos vagos,
Sob o aguilhão de todas as torturas,
Na sede atroz de todos os afagos.

Vai, coração! na imensa cordilheira
Da Dor, florindo como um loiro fruto
Partindo toda a horrível gargalheira
Da chorosa falange cor do luto.

As crianças negras, vermes da matéria,
Colhidas do suplício a estranha rede,
Arranca-as do presídio da miséria
E com teu sangue mata-lhes a sede!

 ((O Livro derradeiro. In: Poesia completa, p.378-381).

 










Ana Lucia dos Santos - assistente social, professora, escritora


Comentários

  1. Não gosto muito de comentar estes fatos, principalmente envolvendo crianças.
    Sabermos que elas sofreram muito.
    Mas li este terceiro blog.
    Pena que ele morreu tão cedo.
    Imagina como deve ter lutado por nós.
    Hoje praticamente não passamos nada em vista do que estes escritores passaram.
    Este aínda teve a sorte de ser apadrinhados pelos seus patrões, ainda lhe dando um nome.
    Muito triste estes versos, mas gloriosos.

    ResponderExcluir
  2. Não gosto muito de comentar estes fatos, principalmente envolvendo crianças.
    Sabermos que elas sofreram muito.
    Mas li este terceiro blog.
    Pena que ele morreu tão cedo.
    Imagina como deve ter lutado por nós.
    Hoje praticamente não passamos nada em vista do que estes escritores passaram.
    Este aínda teve a sorte de ser apadrinhados pelos seus patrões, ainda lhe dando um nome.
    Muito triste estes versos, mas gloriosos.
    Nós negros, hoje estamos lidando na Lan
    Podemos fazer tudo, mesmo assim com várias restrições.
    Mas lutando por nossos ideais.
    Vai ser assim de geração em geração.

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