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DA SÉRIE "QUARENTENA E PANDEMIA" - FUI DESAFIADA A ESCREVER PALAVRAS LEVES, ESPERANÇOSAS, MESMO NESTE MOMENTO, TRAGO UMA CRÔNICA  "DOS PEQUENOS PRESENTES COTIDIANOS". PARA LER COM OLHAR SERENO!

DOS PEQUENOS PRESENTES COTIDIANOS ou

GARIMPANDO NO DESERTO ou

FRUTOS BEM VINDOS

                                   Ana Lucia dos Santos

 

            Instada a escrever sobre as pequenas belezas deste último mês, protelei a tarefa, convencida de que sentaria para exercer a atividade de um garimpeiro em beiras de rios estéreis, ou de um semeador em terreno árido. Ou ainda de um pescador buscando na madrugada, em águas escuras, cardumes de peixes. Assim iniciei a escrita.

            Fui infiel, não anotei, ao longo dos dias que iam passando, conforme proposto, os momentos leves, bonitos, felizes. A avalanche da dureza diária, confesso, passou da conta, como se tivesse se concentrado, especificamente em mim, para me atazanar. Não sei da vida de tantas outras pessoas, embora acredite que também estejam perturbadas. No entanto para mim foi surreal. Mas, sosseguem! Respeito. Não estão em pauta. Cumpro a regra. Portanto, vamos à felicidade.

            Pensar sobre como as delicadezas, os momentos às vezes tão curtos e escondidos, mas sublimes, sobre como as sutilezas de um olhar mais apurado, podem fugir das sombras dos grandes monstros à solta, exigiu muito de mim. Precisei fechar os olhos e apertar bem forte em busca daqueles momentos que, de alguma forma estavam escondidos na minha existência, num mês atípico (julho), de um ano atípico (2020) de um tempo sem paz.

            E eles vieram aos poucos, chegando como crianças amedrontadas entrando num porão desconhecido. Mostrando as carinhas, dando pequenos passos vacilantes, risadinhas, mas avançando.

            Primeiro vieram os papéis colantes coloridos: um tom suave de um quase rosa-velho, outro como os tijolos de paredes rústicas, com a missão de dar uma grata visão de casa de campo ao ambiente, outro com fundo verde e pequenas flores salpicadas, de várias cores. O primeiro colocou-se em volta de um antigo espelho de largas laterais. Foi prazeroso olhar-me diante dele, do novo espelho, cuidar dos detalhes do rosto, sem pressa, observar meu olhar; Os segundo cobriu um armário sem graça na entrada da pequena cozinha, dando a impressão de se entrar numa área de descanso, onde haveria uma churrasqueira, redes, cadeiras confortáveis, talvez um lago mais à frente? O terceiro, verde de florezinhas salpicadas, com seu jeitinho brejeiro, pulou para cima das caixas mais desgastadas com o tempo, guardadoras de pequenos objetos de estimação, trataram de dar leveza de um novo colorido ao quarto.

Ha, meus papéis colantes, condutores de momentos de calma, prazer, renovação, do um viver num espaço de onde pouco se sai.

            Depois veio o som das músicas não ouvidas há anos, crianças arteiras e pulantes, lembrando sempre momentos fortes e bons do passado, fazendo pulsar o coração e tremer o peito. Foram responsáveis também por dançarmos na sala, como as crianças musicais. Pareamo-nos com os pulos das crianças do andar de cima.

            As imagens dos quadros pintados por minha irmã, sendo colocados nas paredes do porão antes escuro, trataram de iluminar caminhos abertos nas florestas, cenas de cidades do interior, praças com bancos e jardins com floreiras, muretas à beira mar, vasos com flores, sempre presentes. Tive certeza que cheguei a ouvir o som dos pássaros naquelas árvores. Ou seria nas de fora da casa? Muitos momentos calmos apreciando o belo surgindo do interior de um ser com potência para a arte. Admiração e orgulho.

            E as pequenas plantas antes olhadas, passaram ser vistas com atenção e carinho, de fato cultivadas, aproximaram-se mais para dentro dos cantos da casa, das nossas casas interiores. Uma sementeira veio junto, vejam só! Cuidei e olhei todos os dias, conversei com elas esperando os primeiros brotos de temperos, que já vem chegando. Meu pequeno cantinho verde. Se não pude sair, ele entrou.

             Entrou também o cheiro delicioso dos temperos da minha infância, das ervas aromáticas que vem da cozinha quando me pus a cozinhar. O bolo quentinho do café da tarde. Pequenas iguarias que voltaram ao cotidiano.

            Minhas crianças que estraram no porão onde havia somente sombras, agora, percebidas, me acompanham. Puro aconchego. Aqui continuarão, faça chuva ou faça sol lá fora. Agora, olhando de frente para elas, sei que estarão presentes na minha nova vida, no meu novo normal. São abraçadas por muitas palavras que saem do teclado do computador, felizes por afinal serem vistas.

 

Ana Lucia dos Santos -escritora assistente social, professora.

Comentários

  1. Uma excelente reflexão, onde tudo se encaixa perfeitamente de acordo com a pandemia. Beijos

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