TRANSITO NESTE TEMPO
TRANSITO NESTE TEMPO
Logo, sou tomada pelos
fenômenos que me rodeiam. Um CONTO e um POEMA
CONTO - PELAS BORDAS - Por Ana
Lucia dos Santos
Com o tempo
Waldemar aprendera a lidar com suas angustias e frustrações naquele lugar, como
quem saboreia um prato quente de sopa que vai tomando lentamente, degustando em
pequenas colheradas.
Uma
parte de si em algum momento explodiria, pressentia. Quebraria o prato e
espalharia a sopa, como sempre fez na vida, antes de experimentar a dura
realidade da cadeia. Por ora, continuava a degustar as contrariedades em
pequenas colheradas. Faltava pouco para sair. Vinha aceitando provocações dos
companheiros de cela, as de sempre. Mas resistia. Não queria que fossem inúteis
os riscos levemente desalinhados que insistia em fazer nas paredes do cubículo
que servia de cela a ele e tantos outros homens. Riscos que correspondiam aos
dias que passava no apertado, amontoado, calorento e fétido inferno.
Marcava sim, cada dia em que permaneceu no lugar onde foi submetido a
mais tormentos e humilhações do que imaginava poder suportar. Teve seu batismo
de fogo, é claro, logo nos primeiros dias. Precisou mostrar seu temperamento no
lugar onde impera a lei do mais forte, quando alguns homens durões, quiseram
submetê-lo. Fazer “serviços femininos”. Mostrou seu temperamento firme, quebrou
várias costelas dos detentos machões e desavisados conseguindo alguns meses a mais
em sua sentença. Mas valeu a pena. Não poderia ser diferente.
Já havia se contido antes à custa da intervenção de seu advogado,
arranjado de última hora. Orientações ao pé do ouvido na sala de
audiências. Conseguira não pular no
pescoço do Juiz que lhe dera a sentença. Melhor assim. Foi direto para o
cumprimento da pena, sem causar mais estragos. Mais de dois anos. Novamente
outra injustiça acumulada, pensava Waldemar. Mas daí a passar por
“mulherzinha”, isso não aceitou. Preferiu os riscos a mais nas paredes da
cela.
De
resto, suportou. Ainda que atormentado por aquela raiva que não conseguia
conter. Brotava dentro de si diante de qualquer contrariedade. Naqueles
momentos, rememorava agora, batia pra valer. Farta distribuição de socos e
pontapés. Geralmente tinha razão. A questão era o seu jeito de resolver as
contrariedades. Depois das brigas, não costumava guardar ressentimento das
pessoas, mas sua raiva já havia provocado devidos estragos. Nos outros.
Waldemar
era pessoa simples e não entendia por que sua cabeça ficava quente além da
conta. Tudo girava e escurecia. A solução era garantida por seu corpo forte.
Algumas pessoas ofendidas, as mais desavisadas, às vezes voltavam para insistir
em desacatá-lo, tirar satisfação pela primeira surra. Levavam outra. Não tinha solução para mudar tais desfechos,
as coisas foram se acumulando, muitos Boletins de Ocorrência. Pagou caro. Dois
anos e meio de prisão. Dias contados em que carregava o peso de sua cruz.
Waldemar além de simples, era um homem bom. Não tinha caráter ruim.
Gostava de ajudar as pessoas, fazer até favores, quando podia. O único problema
era a cabeça quente, que não lhe dava sossego. Puxou pela memória muitas vezes,
mas não conseguia lembrar quando tudo começou.
Só sabia que agora estava prestes a sair e não perderia a oportunidade.
Hoje, dia marcado para a sua liberdade, logo cedo já está a postos.
Recolhe seus pertences que lhe são entregues pelo carcereiro com desdém.
Waldemar não gostou, olhou com maus olhos para o homem, mas não reagiu.
Segurou-se.
Os portões se abrem, sente os pulmões também se abrirem, inalando o ar
que vem das ruas, inundando suas entranhas, impregnando sua alma com as coisas
comuns da vida. Sai aliviado, já pensando
na certeza confirmada de que conseguira. Só não sabe com a certeza do tempo em
que demorará lá fora. Estava cansado de comer a sopa quente nos últimos anos,
pelas bordas.
Os
odores que inala, vindos da rua, são por demais atraentes e inquietantes. Vozes,
poeira, fumaça, impregnando sua alma. A fome é grande, a sopa esta fumegando.
Não daria para esperar esfriar, tinha certeza. A vida lhe esperava na próxima
esquina.
POEMA - CONSOLAÇÃO - Por Ana
Lucia dos Santos
Entro agora num furor
santo,
Sanha de justiça, sem
caminhos,
A não ser, os
descaminhos dos versos.
Escrevo para além da
contemplação.
Expressões gravando
em fogo,
Nas mentes dos que
por desaviso,
Abrem páginas, buscam
da vida, o sentido.
Escrever alimenta
minha alma.
Escrevo como quem
busca dar fim
Às cenas, atos,
selvagerias e à aflição.
Não tem fim essa
escrita, então.
Escrever alimenta
minha alma.
Breve consolo, pouco
ou nada consigo mudar.
Das cenas, dos atos,
dos fatos.
Ainda assim, escrevo.

Gostei muito do conto e da poesia bjos obrigada
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