ÍNDIOS DA REGIÃO DO LITORAL SUL – UM TESTEMUNHO EM FORMA DE CRÔNICA 

         Desde sempre, no Brasil, os primeiros habitantes desta terra, viveram o desrespeito aos seus direitos. Mas pode piorar!

            Alguns anos de trabalho na cidade de Mongaguá, litoral sul de São Paulo, com cerca de 50 mil habitantes, deu-me condições de escrever, na forma de crônica, em 2011, o que testemunhei das condições de vida dos índios da região, cujas reservas e tribos ficam na área rural da cidade.
            Compartilho agora:

MONGAGUA – Do que ficou
Mongaguá das águas paradas, na fala indígena. O significava da palavra para os índios Tupi-Guaranis, que já viviam no lugar era este: águas pegajosas, mongas, paradas. Num lugar onde chovia muito, mas as águas pouco escorriam. Ficavam estagnadas.
Nos rios próximos às tendas das aldeias, a pescaria era farta. O passar do tempo não pedia muito. Apenas viver. Hoje, continua chovendo muito na pequena cidade. Os braços de rios, também continuam dando peixes em fartura, mas melhor aproveitados por turistas em espaços fechados, explorados para a pesca.
Aos olhos da maioria dos que passam pela cidade, ela fica distante do sentido inicial dado ao seu nome, pelos indígenas. Perdeu-se no tempo. Hoje a cidadezinha é vista talvez como um ponto de passagem, paragem, da Baixada Santista para além do litoral sul, seguindo para cidades mais altas e menos lodosas do entorno do Vale do Ribeira.
Num período da minha vida, parei nas águas paradas de Mongaguá, retirando delas o melhor, amando estar lá sem perceber. Achando meu jeito e lugar, até que as mãos do tempo me retiraram de lá. 
            Mesmo olhando pelos olhos dos que a tomam no segundo sentido, como ponto de passagem, não me foi possível deixar de ver os rostos de origem indígena, que ainda são muitos, apesar desta etnia ser aparentemente a minoria, diante das caras de forasteiros que invadem a cidade triplicando a população em temporadas e grandes feriados. Ou diante dos muitos que vem em busca de vida mais calma em praias tranqüilas, fugindo dos grandes centros. Ou ainda quem sabe diante dos que buscam na cidade pequena, quase em anonimato, a fuga de débitos deixados pela a vida. Vi muito desta última hipótese, trabalhava no Judiciário.
Mongaguá das águas lodosas, paradas, de onde as tribos Tupi-Guarani não quiseram sair. Apenas receberam os que vieram e lentamente foram sendo ameaçados em sua cultura natal, mesclada com a de forasteiros. E tantos.   
            Indígenas lá, vivem com pouco, quando se mesclam à população de outras etnias. É uma cidade com média de renda baixa. Ou mantém-se nas aldeias. Mas a maior parte deles, com o legado que os acompanham. Um estado de entorpecimento, de sonolência. A “Camoeca”, embriaguez que dá sono.
        O inebriar-se, hoje é tão comum para a população de origem indígena, mesmo nas aldeias, ou nas ruas de Mongaguá, em algumas esquinas cidade, da mesma forma como nos primeiros tempos do Brasil. Embotando com a visão turva, a crença em seus mitos, em sua cultura. Talvez tivessem ficado melhores em suas terras, se preservados do que de pior lhes foi oferecido pelos colonizadores.
             Não consegui deixar de colocar esse olhar sobre a cidade, ficando mais próxima do significado inicial dado pelos seus primeiros habitantes. Saí imbuída do espírito cunhado ao lugar, pelos primeiros habitantes.
            Ainda que não saiba o que de mim ficou para Mongaguá, daquela cidade ficou gravada em mim uma espécie de identificação histórica. Afinal, meu pai teve uma avó indígena, em outra região do país, de uma tribo Aimoré. Foi “laçada” no mato pelo futuro marido. Arrancada, querendo ou não de seu meio. Não sei qual foi o destino pior. O da minha antepassada, retirada à força de seu meio, ou dos indígenas que hoje vagam entorpecidos pelo álcool pelas ruas da cidade ou nas tribos indígenas, em suas águas paradas, sem resgate de identidade, respeito e proteção de sua cultura.

                                Ana Lucia dos Santos – Crônica de 2011                   

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